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Saúde Única: novas atribuições do Médico Veterinário


Publicado em: 03/06/2011 12:51 | Categoria: Geral

 

Artigo

A convergência de pessoas, animais e do nosso ambiente criou uma nova dinâmica na qual a saúde de cada grupo está intimamente interligada. Os desafios associados a esta dinâmica, são exigentes, profundos, e sem precedentes. (AVMA, One Health, 2008, pg. 2,1º parágrafo). Nossa crescente interdependência com animais e seus produtos pode muito bem ser um fator decisivo de risco críticos para a nossa saúde e bem-estar no que diz respeito às doenças infecciosas (AVMA, One Health, 2008, p. 2, 2º parágrafo). A Medicina Veterinária é a profissão de natural articulação central no processo, por possuir em sua formação tanto a saúde animal, quanto saúde pública e saúde ambiental.

Existe uma preocupação crescente de que o mundo da atual geração possa ser o primeiro na história a experimentar uma redução na expectativa de vida e saúde de forma geral. Ainda hoje, a Medicina Veterinária e a Humana são consideradas entidades distintas e as evidentes ligações entre elas, frequentemente ignoradas (AVMA, 2008, p. 2, 3º parágrafo). Atualmente das 1.461 doenças conhecidas nos seres humanos, aproximadamente 60% são zoonoses, causadas por patógenos de multi-hospedeiros, caracterizados por sua capacidade de circular entre diferentes espécies (Torrey EF, Yolken RH. Beasts of the earth. New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 2005). E, ao longo das últimas três décadas cerca de 75% das novas doenças infecciosas emergentes em humanos foram zoonoses (Taylor LH, Latham SM, Woolhouse ME. Risk factors for human disease emergence. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci 2001; 356:983–989; AVMA, One Health, 2008, p. 2, 3º parágrafo).

Uma estratégia para melhor compreender e resolver os problemas contemporâneos de saúde criados pela convergência humana, animal e ambiental é o conceito de “Saúde Única”. Esta abordagem vem incentivar a atuação conjunta de várias disciplinas de trabalho a nível local, nacional e globalmente, para atingir saúde ótima para as pessoas, animais e do nosso ambiente. (AVMA, One Health, 2008, p. 3, 4º parágrafo).

O movimento da Saúde Única adota uma política que advoga o estreitamento de laços entre a medicina humana e a veterinária, convidando ambas profissões para ações colaborativas e investigativas que auxiliem a avaliação, o tratamento e a prevenção das doenças de transmissão inter-espécies. Além disso, estimula a discussão de estratégias, que reforcem a colaboração entre essas duas profissões, na educação médica, cuidados clínicos, na saúde pública e na investigação biomédica (JAVMA, One Health, 2007, p. 2, 1º ao 4º parágrafos).

Os benefícios da Saúde Única envolvem a:

1. Melhoria da saúde animal e humana a nível mundial por meio da colaboração entre todas as ciências da saúde, especialmente entre as profissões da medicina humana e da veterinária, para tratar de temas cruciais;
2. Reunião e discussão sobre os novos desafios globais através da colaboração entre as múltiplas profissões: medicina veterinária, medicina humana, saúde ambiental, saúde da vida selvagem e de saúde pública;
3. Desenvolver centros de excelência para a educação e formação em áreas específicas, através de uma maior colaboração entre faculdades e escolas de medicina veterinária, medicina humana e de saúde pública;
4. Aumento de oportunidades para profissionais veterinários;
5. Utilizar o conhecimento científico veterinário na elaboração de programas inovadores que contribuam para a melhoria da saúde. (AVMA, One Health, 2008, p. 2, 1º parágrafo, 2ª coluna)

Em 14 de abril de 2007, o Conselho Executivo da Associação Americana de Médicos Veterinários (AVMA) tomou medidas para organizar uma iniciativa de Saúde Única, atendendo a uma recomendação feita pelo então presidente Roger K. Mahr, para constituir a Task Force One Health Initiative (OHITF). O objetivo da OHITF foi estudar a viabilidade de uma iniciativa que pudesse facilitar a colaboração e cooperação entre as profissões de saúde, instituições acadêmicas, órgãos governamentais e as indústrias e para ajudar na avaliação, tratamento e prevenção de doenças de transmissão interespécies e reciprocamente predominantes. As duas principais áreas de estudo da OHITF envolveriam:

1. Identificar questões e necessidades sociais globais e desenvolver soluções em colaboração com as principais partes interessadas;
2. Assegurar que os países tenham infraestrutura e recursos para se preparar e responder a emergências ou desastres de Saúde Pública e Animal (AVMA, One Health, 2008, p. 11).

A OHITF também ficou encarregada, pelo Conselho Executivo da AVMA, de definir o conceito de "Saúde Única" e de apresentar recomendações e ações estratégicas que possam apoiar e expandir o conceito através de diferentes profissões pertencentes à área da saúde (AVMA, One Health, 2008, p. 11). Também ficou sob a responsabilidade da OHITF:

1. Articular uma visão de Saúde Única que irá melhorar a integração da saúde animal, humana e ambiental para o benefício mútuo;
2. Identificar as áreas onde essa integração já existe e onde ela ainda é necessária;
3. Identificar potenciais barreiras ou desafios para essa integração;
4. Identificar possíveis soluções para a superação de barreiras ou desafios encontrados;
5. Preparar um relatório escrito para a Comissão Executiva detalhando as suas conclusões e recomendações (AVMA, One Health, 2008, p. 17).

O atual momento representa uma fase de transformação, no que se refere aos cuidados de saúde e prevenção de doenças, na qual a promoção da saúde das pessoas, animais e meio ambiente torna-se uma estratégia fundamental. As recomendações propostas pela OHITF podem servir como um plano de ação destinado a orientar indivíduos e profissionais durante o processo de mudança. (AVMA, One Health, 2008, p. 9, parágrafo do tópico “Call do Action”)

As decisões tomadas hoje tem impacto futuro. Vive-se em um mundo no qual a diferença entre o que pode ser imaginado e que pode ser feito nunca foi tão pequena. Contudo, para que ocorra uma transformação da magnitude desejada, são necessários espírito visionário e liderança. Embora a AVMA (Associação Americana de Medicina Veterinária) e a AMA (Associação Americana de Médicos) estejam ansiosas e dispostas a assumir a liderança neste esforço, não haverá êxito sem o devido apoio. A relutância de nossa profissão ou de outras ciências da saúde em dar esse passo inicial poderá resultar, sem dúvida, em uma oportunidade perdida. A profissão de Medicina Humana também sofre com esse mesmo dilema, mas também deve decidir sobre seu futuro papel na Saúde Única. Para a Medicina Veterinária e para as outras ciências da área da saúde, o momento é agora (AVMA, One Health, 2008, p. 9, parágrafo do tópico “Call do Action”).

A Medicina Veterinária encontra-se em uma posição única. Os profissionais médicos veterinários estão bem instruídos em questões como saúde pública, medicina comparada e medicina preventiva. A profissão tem o potencial necessário para ajudar a conduzir os esforços da Saúde Única. A parceria é fundamental para o sucesso do conceito da “Saúde Única” (AVMA, One Health, 2008, p. 9, parágrafo do tópico “Call do Action”). O profissional médico veterinário deve auxiliar na implementação de soluções para os desafios decisivos a serem enfrentados por esse esforço em conjunto, através da colaboração com várias outras profissões, incluindo a saúde pública, Medicina Humana, a Bioengenharia, a Ciência Animal, a Ciência Ambiental e a vida selvagem. Com o trabalho em conjunto, mais pode ser realizado para melhorar a saúde mundial, e a profissão da medicina veterinária tem a responsabilidade necessária para assumir um importante papel nesse esforço (AVMA, One Health, 2008, p. 2 e 3, último parágrafo da 2ª coluna e primeiro parágrafo da 1ª coluna respectivamente).

Ações inovadoras e ousadas incluem disciplinas conjuntas de graduação e pós-graduação de médicos e médicos veterinários, em particular nas áreas de saúde pública, zoonoses e saúde ambiental. No entanto, como citado no texto acima, todas as áreas correlatas são de importância. Numa ação de vanguarda da UFPR, pretende-se criar um curso de cirurgia experimental que aceitará matrícula de alunos dos cursos de Medicina e Medicina Veterinária. Mas fica a pergunta no ar: os alunos desta disciplina poderiam realizar programas de esterilização de cães e gatos durante as aulas? Devemos estar preparados para uma saúde única, que deve acontecer sem riscos de atribuição profissional de cada área; ao contrário, que venha somar esforços em prol de beneficio comum: a saúde de todos.

O Paraná tem demonstrado vanguarda na criação da Comissão de Zoonoses e Bem-Estar Animal do CRMV-PR, e agora nosso desafio é envolver de modo efetivo e propositivo a classe médica neste processo. Em resumo, faz-se necessário que orientemos nossas ações para a convergência com as profissões afins, de modo a constituir num futuro próximo uma medicina única tendo por objetivo uma saúde única, visando a saúde e o bem-estar de pessoas, animais e meio ambiente.


Por :
Méd. Vet. Alexander Welker Biondo, docente da área de Zoonoses, UFPR;
Méd. Vet. Marcelo Beltrão Molento, docente da área de Enfermidades Parasitárias, UFPR;
Méd. Vet. Walfrido Kuhl Svoboda, docente da área de Saúde Ambiental, UFPR;
Méd. Vet. Juliano Leônidas Hoffmann, Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do Sistema Único de Saúde (EPISUS) da Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde;
Jonatas Campos de Almeida, Acadêmico do curso medicina veterinária UFPR.

zoonoses@ufpr.br



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