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Febre Maculosa: Primeiros Relatos do Paraná


Publicado em: 20/07/2009 08:35 | Categoria: Geral

 

Artigo

Introdução

A Febre Maculosa Brasileira (FMB) é causada principalmente pela bactéria Rickettsia rickettsii e é uma zoonose de grande importância em saúde pública. Trata-se de uma bactéria intracelular obrigatória da Ordem Rickettsiales, Família Rickettsiaceae, encontrada em células intestinais, glândulas salivares e ovários de artrópodes. Dependem de células eucariontes de hospedeiros e ou vetores artrópodes para se multiplicar. Morfologicamente caracteriza-se como cocobacilos gram-negativos medindo 0,3mm de largura por 1,5mm de comprimento.

Os Estados que mantém vigilância epidemiológica da doença são Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Entretanto há pouca informação sobre a epidemiologia da doença em áreas não endêmicas. A sintomatologia em humanos é semelhante a várias doenças purpúricas e o sucesso do tratamento está diretamente ligado à precocidade. Destaca-se ainda pela importância qualitativa, sendo que o índice de letalidade varia de 25 a 80% em casos não tratados, tratados tardiamente ou ainda tratados com antibióticos não específicos.

A transmissão se dá através do carrapato Amblyomma sp. (A. cajennense e A. aureolatum) infectado. Os chamados carrapatos duros, da família Ixodidae atuam como vetores, reservatórios ou amplificadores de rickettsias do grupo febre maculosa. No Brasil, o carrapato A. cajennense é vulgarmente conhecido como carrapato “estrela” e é considerado o principal vetor da FMB ao homem, sendo o cavalo, a capivara e a anta considerados hospedeiros primários de todos os seus estádios. O carrapato pode permanecer infectado durante todo seu ciclo de vida em condições naturais, que dura no mínimo 12 meses, e a partir daí, pode disseminar o organismo para gerações posteriores através de transmissão transovariana. No Brasil, em geral nos meses de abril a junho (predomínio de larvas) e de julho a novembro (predomínio de ninfas), o homem é infestado de maneira maciça pelas larvas e ninfas dos carrapatos e é quando há maior ocorrência de casos. Estudos brasileiros esclarecem que entre os meses de novembro a março existe o predomínio de adultos de A. cajennense, e estes por terem uma picada dolorosa são facilmente percebidos e retirados. Este fato caracteriza a sazonalidade da doença, com maior ocorrência em humanos no segundo semestre do ano (LABRUNA, 2002; SANGIONI, 2003).

Casos humanos têm sido descritos desde a década de 20, principalmente na região Sudeste. Sua ocorrência e principalmente seu correto diagnóstico vem aumentando progressivamente nos últimos anos e já abrange grande parte do território nacional. Dados do Ministério da Saúde de 2005 relatam 345 novos casos da doença observados entre os anos de 1995 a 2004 em alguns municípios de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, com letalidade de 42, 22, 37, 27 e 0%, respectivamente. O primeiro relato da presença de bactéria do grupo da febre maculosa no Paraná foi descrito em eqüinos de carroceiros, no ano de 2006, no município de São José dos Pinhais (FREITAS et al., 2006).

Hospedeiros

Para que um vertebrado seja considerado bom hospedeiro amplificador de R. rickettsii na natureza, este deve preencher alguns requisitos como: ser susceptível à infecção; manter a bactéria circulante em níveis plasmáticos suficientes para infectar vetores; ter alta taxa de renovação populacional; ser abundante na área endêmica e ser bom hospedeiro do carrapato vetor em condições naturais. Eqüinos e cães que vivem no peri-domicílio humano, são considerados animais sentinela para FMB, atuando também como amplificadores da população de carrapatos. Em uma área endêmica de São Paulo, Horta e colaboradores (2004) encontraram 77,3% de soropositividade em cavalos, e 31,3% em cães. Freitas e colaboradores (2006) encontraram 6,52% de soropositividade em cavalos de carroceiros no município de São José dos Pinhais, Paraná.

Há dois aspectos que devem ser considerados na epidemiologia da FMB em relação ao vetor, sendo (1) a presença de hospedeiros primários e (2) as condições ambientais favoráveis às fases de vida livre do carrapato. Atualmente o processo de urbanização de áreas antes consideradas rurais tem aproximado o homem do contato com animais selvagens, aumentando o risco de contaminação. Mesmo ocorrendo casos fatais da doença em humanos em regiões endêmicas, a literatura pertinente a FMB é escassa. Porém, para o conhecimento do complexo ciclo epidemiológico da doença no Brasil, faz-se necessário maiores estudos em áreas não endêmicas com potencial biótico para o estabelecimento do vetor. Estes conhecimentos gerados teriam grande importância para o subsidio do diagnóstico precoce, considerando que a magnitude dos casos deva ser maior que a encontrada a partir de registros de casos clínicos.

Transmissão

A transmissão da FMB é através da salivação do carrapato infectado no momento do repasto sanguíneo quando no hospedeiro. Isto ocorre em um período de mínimo de 4 a 6 horas após se fixar, quando o artrópode secreta a saliva contendo a bactéria, que infecta o hospedeiro. O microorganismo é carreado pela via linfática, invadindo então seu alvo principal nos vertebrados, que são as células endoteliais. Nas Américas, a taxa de infecção em carrapatos está ao redor de 1%, inclusive em áreas consideradas endêmicas, o que pode ser justificado devido ao efeito letal que a R. rickettsii tem sobre o vetor artrópode. É possível que os estádios adultos do Amblyomma sp. tenham maior chance de ser encontrados infectados devido ao maior número de repastos sanguíneos ocorridos ao longo de suas vidas.

O período de incubação da FMB em humanos é de aproximadamente sete dias. A forma grave da doença caracteriza-se por febre alta, cefaléia, mialgia intensa, congestão das conjuntivas, podendo ocorrer exantema máculo-papular principalmente nas regiões plantar e palmar, por vezes evoluindo para petéquias, hemorragias e necrose devido a vasculite generalizada.

Diagnóstico

O diagnóstico da FMB em humanos inicia-se confrontando os sinais clínicos com os achados laboratoriais e o histórico do paciente. Além do histórico de contato deste e carrapatos, o paciente pode apresentar febre alta e letargia. No exame laboratorial de sangue encontra-se trombocitopenia, leucocitose, hipoalbuminemia, aumento da fosfatase alcalina e aumento do tempo de coagulação. A confirmação laboratorial pode ser através de isolamento do agente em amostras de sangue ou biópsia de pele, pesquisa de anticorpos específicos no soro do paciente através de sorologia pareada, e detecção do agente por técnicas moleculares.

Atualmente o diagnóstico laboratorial de eleição segundo a Organização Mundial de Saúde se dá através da sorologia pela técnica da reação da imunofluorescência indireta (RIFI), e deve ser considerado confirmatório um aumento no título de no mínimo quatro vezes numa segunda amostra (Galvão et al., 2005). O teste de hemolinfa, RIFI, ELISA e PCR são utilizados para detectar a taxa de infecção da bactéria no vetor. Guedes e colaboradores (2005) detectaram taxa de infecção rickettsial em adultos de Amblyomma sp. de 1,28% através da PCR, valor considerado alto se comparado a estudos semelhantes realizados nos EUA.

Tratamento

O tratamento da FMB em humanos é realizado com antibioticoterapia específica e seu sucesso está diretamente ligado à precocidade. Os fármacos de eleição são os da família das tetraciclinas. As drogas lipossolúveis como doxiciclina tem se mostrado mais efetivas, demonstrando ter menos efeitos adversos no tratamento em humanos, e são considerados de eleição para todos os pacientes suspeitos ou confirmados.

Prevenção

A prevenção para a maioria das rickettsioses consiste em combater o vetor através de tratamentos com produtos ectoparasiticidas nos animais, manter a pastagem baixa (grama/forrageiras) e evitar promiscuidade entre espécies animais. A remoção do carrapato deve ser de forma a evitar o esmagamento do mesmo, com auxilio de pinça ou instrumento semelhante.

O treinamento dos profissionais de saúde para o diagnóstico e tratamento precoce é um ponto relevante no controle e prevenção da doença, visando minimizar sua ocorrência. No caso de áreas de transmissão não reconhecida é recomendado trabalho de orientação por parte das Secretarias Municipais de Saúde em grupos específicos de risco, como médicos veterinários, médicos, enfermeiros, agentes de saúde, carroceiros, produtores rurais, tratadores de animais e pescadores. Além das medidas preventivas citadas, vale ressaltar que quanto maior a população de carrapatos, maior o risco de se contrair a doença.

FMB em São José dos Pinhais

O Paraná teve seu primeiro registro da FMB em humanos em abril de 2005. Um homem de 47 anos foi infectado em uma chácara no município de São José dos Pinhais. Firmou-se então uma parceria entre as secretarias estadual e municipal de saúde e a UFPR a fim de elucidar o status epidemiológico da região. O estudo foi então iniciado naquele município cuja hidrografia é vasta, sendo os principais rios encontrados na região: o Rio Iguaçu, Rio Miringuava, Rio de Una, Rio Castelhanos, Rio São João, Rio Miriguava-Mirim, Rio Despique e Represa do Vossoroca. São José dos Pinhais tem em torno de 40% de seu território considerado como área de preservação ambiental, sendo que existem quatro pontos de urbanização importantes (bairros São Marcos, Guatupê, Centro, Borda do Campo).

As propriedades estudadas se encontravam na área urbana e tinham características propícias ao estabelecimento do vetor da FMB, sendo próximas ao foco humano. Todas apresentavam na ocasião da visita, pastagem “suja”, co-habitação de diferentes espécies animais no mesmo ambiente e relato de presença de roedores silvestres como a capivara, que participa ativamente do ciclo da doença.

Foram realizados exames sorológicos através da técnica de RIFI em 16 caninos e 8 eqüinos de 4 propriedades consideradas foco. Posteriormente foi incluída uma amostragem de 75 eqüinos de carroceiros do município. As amostras obtidas apresentaram positividade de 25 e 12,5% para caninos e eqüinos, respectivamente, das propriedades foco e de 9,33% em eqüinos de carroceiros (FREITAS, 2008).

Foi confirmada a atividade riquetsial no local e a exposição dos animais reagentes com riquetsias do grupo febre maculosa. Os resultados obtidos com o programa de vigilância ativa em caninos e eqüinos demonstraram a vulnerabilidade da região, sinalizando uma grande necessidade de monitoramento constante e a continuidade das parcerias e pesquisas.

Referências

FREITAS, M. O.; MOLENTO; M. B. LABRUNA; M. B. SILVEIRA, I.; BIONDO, A. Pesquisa de anticorpos específicos anti-rickettsia rickettsii em cavalos carroceiros em São José dos Pinhais, PR. In: 14º CONGRESSO BRASILEIRO DE PARASITOLOGIA VETERINÁRIA, SIMPÓSIO LATINO-AMERICANO DE RICKETTSIOSES, Ribeirão Preto. Editora Yvan Zucareli, p. 361, 2006.

FREITAS, M. O. Detecção de rickettsias do grupo febre maculosa em cães e eqüinos em São José dos Pinhais, PR. Dissertação (Mestrado em Ciências Veterinárias), UFPR, 73 f., 2008.

GALVÃO, M. A. M.; SILVA, L. J.; NASCIMENTO, E. M. M.; CALIC, S. B.; SOUSA, R.; BACELLAR, F. Riquetsioses no Brasil e Portugal: ocorrência, distribuição e diagnóstico. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 5, 2005.

HORTA, M. C.; LABRUNA, M. B.; SANGIONI, L. A.; VIANNA, M. C. B.; GENNARI, S. M.; GALVÃO, M. A. M.; MAFRA, C. L.; VIDOTTO, O.; SCHUMAKER, T.; WALKER, D. H. Prevalence of antibodies to spotted fever group rickettsiae in humans and domestic animals in a brazilian spotted fever-endemic área in the state of São Paulo, Brazil: serologic evidence for infection by Rickettsia rickettsii and another spotted fever group rickettsia. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, Northbroock, v. 71, n. 1, p. 93-97, 2004.

LABRUNA, M. B.; Ticks (Acari: Ixodidae) on Wild Animals from the Porto-Primavera Hydroeletric Power Station Area, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 97, p. 1133-1136, 2002.

SANGIONI, L. A. Pesquisa de infecção por rickettsias do grupo febre maculosa em humanos, cães, eqüídeos e em adultos de Amblyomma cajennense, em região endêmica e não endêmica no estado de São Paulo. 86 f. Tese (Doutorado em epidemiologia experimental aplicada à zoonoses) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

Autores:

Marta Oliveira Freitas, Marcelo Beltrão Molento e Alexander Welker Biondo, Lab. de Epidemiologia Molecular e Zoonoses UFPR

Marcelo Labruna, Dep. de Med. Vet. Preventiva e Saúde Animal USP

José Bonacin, CCZ São José dos Pinhais

 


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