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Giardíase, uma importante zoonose em ascensão


Publicado em: 25/04/2008 07:23 | Categoria: Geral

 

Artigo

A giardíase é uma doença muito comum em cães e gatos, causada por um protozoário, a Giardia spp (1, 8, 9). Sua ocorrência vem crescendo muito nos últimos anos, com muitos animais contaminados, principalmente os freqüentadores de parques públicos e praças, animais jovens e imunossuprimidos, além de animais que vivem em canis e gatis (2, 8). A contaminação ocorre através da ingestão de cistos de Giardia spp eliminados por animais infectados e que contaminam a água, verduras, frutas e fômites (9). Os cistos sobrevivem por longos períodos no ambiente e são resistentes aos desinfetantes de uso rotineiro (1, 3). Trata-se de um protozoário flagelado, binucleado e piriforme (1, 3, 8, 10).

A prevalência da doença varia muito com as condições de vida dos animais, sendo que populações de rua, abrigos ou canis tendem a apresentar uma maior ocorrência do que os domiciliados. No Brasil, trabalhos revelam prevalência de 5% em cães com dono, até cerca de 72% em cães de rua de uma favela (5, 11, 14). Na população humana, a prevalência da parasita varia entre 2% em países desenvolvidos e mais de 30% em países subdesenvolvidos (11,12)

Este protozoário é encontrado principalmente no intestino delgado, do duodeno ao jejuno, onde se fixam na superfície dos enterócitos, interferindo com o processo de digestão, ocasionando síndrome de má absorção com fezes volumosas (9,13). Nos humanos também se instala no intestino delgado e eventualmente pode ascender ao ducto biliar e causar distúrbios hepáticos (9).

O gênero Giardia possui seis espécies, das quais só uma delas é parasita de múltiplas espécies, denominada G. lamblia, intestinalis ou duodenalis (Adam, 2001). Essa espécie é constituída por pelo menos sete grupos de genótipos (A ? G), que diferem significantemente entre si e parecem representar diferentes espécies. Esses grupos apresentam especificidade ou limitação de hospedeiros. Os genótipos A e B são encontrados em humanos e em vários mamíferos; os C e D em cães; o E em animais de produção; o F em gatos e o G em ratos. Apenas o grupo um do genótipo A foi isolado em humanos e em animais.

 Huber et al. (2005) dizem que, pelo fato da espécie possuir uma baixa especificidade de hospedeiro, ela pode ser classificada como zoonose. Porém, Monis e Thompson (2003) defendem que a evidência da giardíase ser uma zoonose ainda é limitada. Apesar de não haver dúvidas quanto ao potencial zoonótico do único genótipo isolado em humanos e em animais, a prevalência desse grupo não é conhecida.

 Os sinais clínicos são muito variáveis, porém uma diarréia de discreta a grave pode ser vista. Esta pode ser persistente, intermitente ou autolimitante, com odor rançoso (1, 4, 13). A persistência da infecção pode levar a debilidade; alguns animais podem apresentar perda de peso, apatia e êmese (9,13). A giardíase pode levar a quadros de colite e proctite (4). Em animais adultos a infecção pode ser assintomática, perpetuando a contaminação ambiental (4,8). A severidade da giardíase é potencializada por infecções virais, bacterianas ou helmínticas concomitantes ou mesmo em pacientes imunossuprimidos (3, 8, 9).

O diagnóstico da giardíase deve ser feito com o encontro de trofozoítos móveis nas fezes frescas ou no lavado duodenal, pelo encontro de cistos com uso de técnicas de flotação (especialmente com o uso de sulfato de zinco) ou pelo achado de proteínas de Giardia spp nas fezes utilizando-se o teste ELISA (3, 4, 9, 13). Pelo menos três exames coproparasitológicos devem ser realizados durante o período de 7 a 10 dias antes de descartar o diagnóstico de giardíase (9). Muitas vezes, pela dificuldade em encontrar os organismos de Giardia spp (principalmente nos animais tratados com medicamentos antidiarreicos sintomáticos), o diagnóstico terapêutico é realizado (9). O diagnóstico diferencial deve ser realizado com outras causas de má digestão e má absorção com insuficiência pancreática exócrina e enteropatias inflamatórias (4).

A giardíase é uma importante zoonose, reconhecida como tal pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (13). No Brasil, trabalhos indicam que a transmissão zoonótica dessa doença parece ser freqüente. Pereira et al. (2007) associaram o número de gatos na família como um dos fatores de risco da giardíase, em uma pesquisa realizada em hospitais pediátricos de Goiânia, Goiás, entre crianças hospitalizadas com diarréia (12). E em um estudo na população de uma favela do Rio de Janeiro, em 96,8% das amostras humanas e em todas as animais (7 cães e 1 gato), os parasitas eram do mesmo grupo, o genótipo A1, demonstrando um provável ciclo zoonótico nessa população (14). Esses autores defendem que no nosso país a transmissão zoonótica é favorecida por fatores socioculturais e condições sanitárias. Em Curitiba, uma clínica veterinária observou um surto de giardíase, atendendo em três meses 7 cães e 3 gatos com a doença. Este surto ocorreu em meses de temperatura elevada e dentre os animais acometidos os caninos tinham acesso a um parque municipal muito freqüentado por animais e os felinos não tinham acesso à rua. Em um dos casos uma criança contactante apresentou sintomas de giardíase alguns dias depois do diagnóstico do cão, tendo sido feito o posterior diagnóstico terapêutico pelo médico.

Atualmente observa-se o relacionamento mais próximo dos proprietários com seus animais de estimação e, desta forma, a grande possibilidade de transmissão da giardíase aos seres humanos, especialmente a crianças, idosos e pessoas imunossuprimidas (portadoras de AIDS, que estejam realizando quimioterapia/radioterapia ou mesmo outros tratamentos imunossupressores) (2,5). Daí a grande importância do veterinário no diagnóstico desta doença e posterior tratamento, bem como na sua prevenção; trata-se de uma ação em saúde pública.

Com relação ao tratamento existem algumas drogas efetivas contra a giardíase, no entanto o manejo ambiental de desinfecção deve acompanhar o tratamento do animal, para que não ocorra a reinfecção (1). Dentre os medicamentos que podem ser utilizados destaca-se o metronidazol, o febendazol, o albendazol e a furazolidona (4, 6, 7, 9, 13).

A vacinação contra a giardíase pode ser recomendada como medida profilática, já que a vacina reduz a incidência, a severidade e a duração da eliminação de cistos.

Existem diversos motivos pelos quais o controle da Giardia spp é difícil, isso porque este protozoário pode tornar-se resistente a algumas drogas; imunodeficiência ou uma doença concomitante no hospedeiro pode tornar mais difícil a eliminação do microorganismo e porque a reinfecção é fácil já que os cistos de Giárdia spp são resistentes às influências do meio ambiente e é necessário um número pequeno de cistos para a reinfecção canina ou humana (9). Algumas vezes outro fator agravante é a confusão feita entre a Giardia e um outro protozoário, o Tritricomonas, levando o erro diagnóstico e terapêutico (9).

Para a desinfecção do ambiente recomenda-se o uso do calor com vassouras de fogo e sol; para os ambientes internos recomenda-se a limpeza com vapor de água e desinfetantes à base de amônia quaternária e cloro (9, 13). Recomenda-se realizar a remoção das fezes do ambiente antes da sua lavagem para evitar a dispersão dos cistos de Giardia spp (13).

O prognóstico é em geral bom, embora em alguns casos seja difícil erradicar os microorganismos, especialmente em casos em que haja a reinfecção ou em pacientes imunossuprimidos (9,13).

A ação em conjunto do médico veterinário no diagnóstico, tratamento e prevenção da giardíase nos animais e dos médicos no diagnóstico e tratamento dos humanos contaminados, sempre reafirmando a importância do tratamento ambiental em conjunto, teremos o controle desta afecção e melhor qualidade de vida de ambas as espécies, firmando cada vez o importante vínculo entre homens e os animais de estimação, benéfico a ambos.

Referências Bibliográficas:

1. ADAM, R.D. Biology of Giardia lamblia. Clinical Microbiology Reviews. v.14, n.3, p.447?475, 2001.

2. Animal associated opportunistic infections among persons infected with the human immunodeficiency virus. Clinical Infectious Diseases, v. 20, n, 1 p. 194 ? ano 1995 

3. Coletâneas em Medicina e Cirurgia Felina. 1a edição ? editora LF livros ? ano 2003. Heloisa Justen M. de Souza.

4. Consulta Veterinária em 5 Minutos. 2a edição ? editora Manole ? ano 2000. Larry P. Tilley e Francis W. K. Smith Jr.

5. HUBER, F.; BOMFIM, T.C.B.; GOMES, R.S. Comparison between natural infection by Cryptosporidium sp., Giardia sp. in dogs in two living situations in the West Zone of the mucipality of Rio de Janeiro. Vetrinary Parasitology. v.130, n.1-2, p. 69-72, 2005.

6. Manual de Farmacología Veterinária. 5a edição ? editora: Inter- Médica- ano 2006. Donald C. Plumb.

7. Manual de Terapêutica Veterinária. 2a edição ? editora Roca ? ano 2002. Silvia Franco Andrade.

8. Manual Saunders ? Clínica de Pequenos Animais. 1a edição ? editora Roca - ano 1998. Stephen J. Bichard e Robert G. Sherding.

9. Medicina Interna de Pequenos Animais. 3a edição ? editora: Mosby Elsevier ? ano 2006. Richard W. Nelson e C. Guilhermo Couto.

10. MONIS, P.T.; ANDREWS, R.H.; MAYRHOFER, G.; EY, P.L. Genetic diversity within the morphological species Giardia intestinalis and its relationship to host origin. Infection, Genetics and Evolution. v.3, n.1, p.29?38, 2003

11. MONIS, P.T.; THOMPSON, R.C.A. Cryptosporidium and Giardia-zoonoses: fact or fiction? Infection, Genetics and Evolution. v.3, n.4, p.233-244, 2003.

12. PEREIRA, M.G.C.; ATWILL, E.R.; BARBOSA, A.P. Prevalence and associated risk factors for Giardia lamblia infection among children hospitalized for diarrhea in Goiânia, Goiás State, Brazil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo. v.49, n.3, p.139-145, 2007.

13. Textbook of Veterinary Internal Medicine. 5a edição ? volumes 2 ? ano 2000. Stephen J. Ettinger Edward C. Feldman


Autores:

Patrícia M. Dainesi Addeo, médica veterinária

Sandra Mara Rotter Curotto, mestranda em Ciências Veterinárias na UFPR

Ivan Roque de Barros Filho, docente UFPR

Alexander Welker Biondo, docente UFPR


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